Quando Sebastian Brant escreveu a “Nau dos Insensatos”, perto de 1.521 (o livro é realmente imperdível e está atual como nunca), ele já dizia que “todos os insensatos sofrem do mesmo mal – tudo o que lhes é novo lhes agrada, mas logo perdem o interesse e passam a querer outra coisa”.
Estamos próximos a uma eleição geral e o foco é apenas a presidência. Iremos debater, discutir, assistir embates televisivos sobre essa eleição presidencial. Faremos discussões acaloradas. Dúvidas e incertezas diversas.
Os brasileiros agem como se a pessoa do presidente fosse a panaceia dos problemas atuais, sejam eles a corrupção, pobreza, economia falida, etc. Mas isso nada mais é que a maior prova de nossa imaturidade democrática, cultural e política. Isso porque, a despeito de não vivermos um parlamentarismo, criamos, com a Constituição de 1.988, algo muito próximo a isso.
Quando todos achavam que a Constituição estava sendo debatida no Plenário do Congresso – o que era uma bobagem, o fato era que, em uma sala chamada “Comissão Diretiva” ditava-se o real texto da Constituição. E o nome “Diretiva” vinha copiado da denominada “Constituição Diretiva” de Canotilho, de Portugal – pós Revolução dos Cravos, que copiou a Constituição da antiga União Soviética que, como todos sabem, não deu muito certo, nem uma, nem outra.
E essa “Comissão Diretiva” era formada por políticos que, até hoje, estão no cenário nacional. Em outras palavras, criou-se o chamado “Poder de Eminência”, que seria ótimo se tivéssemos congressistas de primeiro nível. O Congresso se projetaria para fora do Poder Governamental, e seria o grande fiscalizador do Poder Executivo, além de censor e limitador do Executivo.
Isso soa bem na Inglaterra, na Alemanha, Suécia e em outros países com um nível ético-sócio-cultural elevado. No Brasil, os últimos anos nos mostraram que isso não ocorreu bem assim.
Trump tentou acabar com o “Obama Care” – o Legislativo não deixou. E vetou várias outras coisas. Paolo Gentiloni renunciou ao cargo de Primeiro Ministro da Itália, após ver que a direção do Legislativo lhe era contrária. Até mesmo Obama colecionou diversos fracassos, porque era vetado pelo Legislativo.
E o que isso tem a ver com o Brasil?
O exemplo Dilma mostrou bem o que significa o cargo de presidente. Fica enquanto o Legislativo disser que fica (certo ou errado). Collor idem. O brasileiro até hoje não entendeu que a eleição que importa é a do Legislativo. A do Presidente, triste que seja assim, é fantoche.
Fazem muitos discursos de seriedade. Honestidade. Mas principalmente sobre honra.
Na ópera de Verdi, o burlão Falstaff, querendo ser eloquente como nossos candidatos, já dizia: “– Que gozação. A honra pode encher sua pança? Não. A honra pode reparar suas canelas? Não pode. (…) O que é então? Uma palavra. O que há nesta palavra? Há ar que voa.” E é “ar que voa” tanto o discurso dos candidatos a presidente, como a importância do presidente frente ao Poder Legislativo.
No Brasil, um presidente que não se curve ao Legislativo, ou terá um mandato medíocre, ou será colocado para fora. Devíamos ficar preocupados mais com a análise e votação em nossos congressistas – mas isso é mais complicado e enfadonho. Não feito isso, pouco importa quem será o novo presidente. A diversão está na escolha do presidente.
Vendem a ideia de que o próximo presidente atendará aos nossos anseios. E dará rumo ao país e esperança ao povo.
Mas o mais provável é que o próximo presidente seja como Ivan Matviéitch, de Dostoiévski. Será o centro das atenções de todos. Todos os olhos voltados para ele. Completo sucesso. Mas, em verdade, quase totalmente tragado por um enorme crocodilo em pleno zoológico (só com a cabeça de fora). Totalmente inebriado pela fama momentânea, olvidando que está prestes a ser engolido.
E esse crocodilo se chama Congresso Nacional. Pensar no presidente e esquecer de mudar os congressistas é voltar aos ensinamentos de Brant da idade média, que lembrava que “iguala-se aos parvos aquele que diz: – não pensei que isso pudesse acontecer”.
Por Roberto de Mello Severo
Folha de Londrina – 10 de maio de 2.018.