“Nunca se escreveu nada tão sem nexo e desagradável. Não tem ideia melódica e nenhum traço de originalidade. A orquestra divaga num ruído perpétuo, sem arte e sem beleza…”. Esta foi uma das primeiras críticas feitas a Beethoven por um jornal de Berlim, quando ele tinha 36 anos e já estava praticamente surdo.
Em dezembro deste ano, mais precisamente em 17 de dezembro, comemoram-se 250 anos do nascimento de Beethoven. Em 2.016 comemoramos 200 anos do polêmico Wagner e de Verdi e em 2.006 comemoramos 250 anos de Mozart. Mas essas comemorações estão aquém do que se terá este ano.
Beethoven, chamado de o gênio de Bonn, foi notadamente um dos maiores ou o maior expoente da música, que não deve ser chamada de erudita, mas simplesmente de música.
Feio, plebeu, rabugento, arrogante, destemperado, fraco em ortografia e matemática, com dedos curtos e grossos, filho de pai alcóolatra e sem quaisquer características “germânicas” – era descendente de africanos, Beethoven reunia, à época, todas as condições para uma vida de pouco sucesso.
Seu pai, músico frustrado, resolve que Beethoven seria o novo Mozart, e acaba com a infância do filho, que é obrigado a estudar música em tempo integral.
Em 1.792, Beethoven se torna aluno de Franz Joseph Haydn, um dos mais importantes compositores do período clássico, ao lado de Mozart, que recebe mal o aluno temperamental e o chama de Grão Mogol, derivação de mongol. Beethoven acha aquele que chama de “a Velha Peruca” péssimo professor, e contrata outro professor paralelo – Johann Schenk.
A verdade era que Haydn se recusava a reconhecer os dons de Beethoven, razão pela qual nunca se deram bem. Já em 1.797, Beethoven se encontra com Mozart – que já era o grande expoente da música europeia, que ignora o rapaz. Beethoven então o desafia a lhe dar um tema para que improvisasse.
Após 15 minutos, Mozart afirma: – Prestem atenção nesse rapaz, pois ele ainda fará com que o mundo fale a seu respeito.
Surdo aos 30 anos (época em que fez suas maiores criações), Beethoven incomodava os vizinhos e mudava-se constantemente, porque batia os pés com força no chão para marcar o compasso e, quando não encontrava uma harmonia correta para a obra que estava compondo, jogava um balde de água na cabeça, causando vazamento no andar de baixo. Mas surdo, não entendia a razão das reclamações.
Aos que possam dizer que desconhecem as obras de Beethoven, basta lembrar da música do gás, conhecida como a bagatela “Pour Élise” ou Für Elise – o correto é “Pour Thereze” – Thereze Malfatti que, como muitas, recusaram-se a se casar com Beethoven.
Beethoven escreveu apenas uma ópera: – Fidelio. E é importante que se diga que o fez apenas por fins financeiros. O plágio, como em muitos, também rondou Beethoven – talvez até do próprio Haydn.
Contrariamente a Mozart, que foi enterrado numa vala comum, ou a Shostakovitch, que viveu em desgraça pública por causa de Stalin, Beethoven teve todas as honras que lhe cabiam em vida e após.
O mundo civilizado deverá comemorar esse evento de forma ampla. Seria recomendável que também aqui isso fosse feito, como forma de implementar o velho discurso de difundir a música clássica e como meio de acabar com o mau uso do adjetivo “erudita”.
E lembrar Beethoven abre portas para músicos nacionais como Henrique Oswald, Alfredo Napoleão e João Carlos Martins – nem se diga de Villa-Lobos, além de tantos outros, desconhecidos aqui e famosos lá fora, como sempre. Portas a serem abertas.
Ficam aqui as homenagens ao saudoso amigo Maestro Sizenando Lázaro Moura, que me ensinou a abrir as portas que nunca se fecham.
Por Roberto de Mello Severo
Folha de Londrina – 16 de janeiro de 2.020.