Espelho

O noticiário local dos últimos dias foi tomado de assalto pela informação de que um pároco teria sido apreendido por atos obscenos em via pública. A despeito de todo o rol de notícias abjetas que nos rebaixam diariamente, e que informam nossa incapacidade de viver em sociedade, a população voltou seu “olho crítico” para um fato que, se não fosse a posição do apreendido, não teria significado público algum.

O primeiro ponto que se obtém desse fato é nossa mediocridade para nos preocuparmos com o que realmente interessa. Isso porque, em geral, não temos conduta alguma para tomar medidas sobre fatos realmente sérios e que interferem em nossa vida em sociedade. Em outras palavras, usamos fatos vexatórios dos outros, como válvula de escape de nossos problemas diários.

Em segundo lugar, mostramos nossa habilidade para potencializar problemas alheios. E o fazemos com maestria, pois visualizar a fraqueza dos outros nos faz melhores quando nos deparamos com nosso inconsciente. E a certeza de nossas fraquezas e defeitos é momentaneamente superada pela constatação de que as pessoas que – aparentemente – não estariam sujeitas a esses infortúnios são também suscetíveis aos mesmos.

Machado de Assis, quando escreveu o conto “O Espelho” (1.882), falava no homem como sendo duas metades, duas almas. Uma delas, a interna, “olhava de dentro para fora”, e a externa, que “olha de fora para dentro”, era formada pelos valores exteriorizados – um reflexo da própria pessoa. A quem apenas busca seu reflexo, a parte mais valiosa da vida acaba sendo a “alma externa”. Ferir essa “alma” seria eliminar a própria vida, quando, na verdade, isso não passa de um delírio.

Assim, o que somos fica em segundo plano, frente ao que buscamos “projetar ser”. E a exigência e curiosidade pública não autorizam falhas na alma externa, na imagem projetada para seus espectadores. E esses espectadores, sempre ávidos a julgar, são irremitentes.

Mas Machado não foi o único a se debruçar sobre espelhos. O cineasta russo Andrei Tarkovski, quando dirigiu o filme “O Espelho” (1.974), mostrou que buscamos sempre desconstruir as coisas para podermos compreendê-las. Mas o fazemos cientes que não saberemos remontar. E destruímos, a pretexto de entender.

A desconstrução de um ser humano nunca nos deixará satisfeitos com o resultado. Isso porque, se para o notório Barão de Itararé, o “homem que se vende recebe sempre mais do que vale”, a verdade da realidade humana pode ser explicada por Bobbio, para quem os homens são “possuidores de poucas virtudes adquiridas e de muitos vícios naturais, desarmados diante das tentações da ambição, da riqueza e do poder.”

Mas nossa predisposição para julgar, destruir imagens, nomes ou a história de terceiros é algo inato. Traça-se um divisor de águas e apaga-se todo um histórico de bons propósitos. Nada mais vale. A irrepreensível moral dos espectadores lhes autoriza tecer sínteses de condenação, tudo dentro da inabalável sensação de dever cumprido.

Na verdade, sempre seremos sombras de um Robespierre, e sempre teremos um Dr. Guillotin à nossa disposição. O capítulo 25 do Evangelho de Mateus lembra os reclames do encarcerado que, para Carnelutti, era “essencialmente, um necessitado”. Do ruim para o bom. Fica ao pároco a lembrança das necessidades e desrespeitos aos encarcerados, eternos esquecidos. Aos demais, fica a pergunta: – ainda há duvidas de que houve excessos na “operação”?

No mais, cessem os risos. Fique a cada qual a imagem de seu próprio espelho (se é que a querem enxergar). À Justiça os demais fatos. E a propósito de Mateus, seria oportuno lembrar a eterna trave no próprio olho. Mas Fernando Pessoa vem mais a calhar: “Toda gente que eu conheço e fala comigo / Nuca sofreu um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho / Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida (…) /Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

Por Roberto de Mello Severo

Folha de Londrina – 23 de maio de 2.010.

Empresas estrangeiras e autorização – o eterno equívoco.

Já se vão quase seis anos da vigência do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2.002) e, inusitadamente, surge a discussão acerca necessidade de autorização do Poder Executivo, para que as empresas estrangeiras possam operar em território nacional.

Realmente, o artigo 1.134 do novo Código Civil prescreve que a “sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País”. Se analisado o artigo acima, de forma isolada, ter-se-ia uma novidade em nosso sistema legal.

Ocorre que, ao contrário do que vem sendo apregoado, o artigo acima nem é uma novidade, nem tem impacto algum. Ao contrário do que está sendo citado, o artigo 1.134 do Código Civil nada mais é que uma reedição melhorada do que prevê o artigo 64 do Decreto-lei nº 2.627/1.940 (antiga Lei das Sociedades Anônimas), posteriormente substituída pela Lei nº 6.404/1.976, mas que manteve intacto o artigo 64 retro.

Em referido artigo 64, do Decreto-lei nº 2.627/40, consta que “as sociedades anônimas ou companhias estrangeiras, qualquer que seja o seu objeto, não podem, sem autorização do Governo Federal, funcionar no país, por si mesmas, ou por filiais, sucursais, agências, ou estabelecimentos que as representem, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionistas de sociedade anônima brasileira”.

A comparação entre o artigo 1.134 do Código Civil e o Decreto-lei nº 2.627/40 evidencia a semelhança dos textos, de modo que não se trata de uma novidade que autorize aos operadores do direito lançar uma cruzada pela proibição das sociedades estrangeiras no país, esperando que o Poder Executivo (tratado como se fosse uma subsecretaria ou uma escrivania de títulos e documentos) tivesse que, caso a caso, carimbar as autorizações a cada um dos pretendentes estrangeiros que tivessem a intenção de adentrar e permanecer em nosso reino.

A propósito de autorizações, a Instrução Normativa nº 200, de 13 de setembro de 2.002, da Receita Federal (braço do Poder Executivo), prescreve com clareza a necessidade de que as empresas estrangeiras que “possuam no Brasil bens e direitos sujeitos a registro público” tenham a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, o que está determinado em seu artigo 12.

Já no artigo 13 da mesma Instrução Normativa estão os requisitos para a obtenção do CNPJ das pessoas jurídicas estrangeiras, compreendendo desde a necessidade de outorga de procuração com amplos poderes a quem deverá ser o representante da mesma, bem como tradução juramentada dos termos de constituição da empresa e o endereço da mesma no exterior, caso esteja transliterado.

O que se pode depreender é que não somente o texto do artigo 1.134 do Código Civil não traz nenhuma realidade nova (sendo mera repetição do texto do artigo 64 do Decreto-lei nº 2.627/40 – algo que, estranhamente, mostrou-se desconhecido de muitos), como a chamada autorização prevista seja no Código Civil, seja no Decreto-lei, não passa do registro perante a Receita Federal, com a emissão do CNPJ dessa empresa estrangeira, algo extremamente corriqueiro.

Insta apontar que essas sociedades, independentemente da “autorização do Poder Executivo”, diga-se melhor, emissão de CNPJ pela Receita Federal, poderão adquirir ações de sociedades anônimas brasileiras, o que está prescrito tanto no artigo 1.134 do Código Civil como no Decreto-lei nº 2.627/40.

E, se é claro que as empresas estrangeiras podem sim atuar no Brasil, havendo regras para tanto, resta analisar se há a necessidade dessa “autorização” para que uma empresa estrangeira venha a ser sócia de sociedade limitada. Para tanto, apenas deverá a sociedade estrangeira preencher os requisitos previstos no artigo 13 da Instrução Normativa nº 200/2.002 da Receita Federal, obtendo seu CNPJ, estando a mesma apta para ter seu registro na Junta Comercial.

Em outras palavras, a chamada “autorização do Poder Executivo” outra coisa não é senão a inscrição na Receita Federal, ato sem qualquer complicação – desde que observados os requisitos previstos na Instrução Normativa.

Por fim, a corrente que vinha se formando e que criou a expectativa de que houvesse uma nova regra no Brasil, que era limitadora às empresas estrangeiras, frente ao texto do artigo 1.134 do Código Civil, apresenta-se, na verdade, como mera reiteração de uma verdadeira velharia que é o Decreto-lei nº 2.627/40. Demonstra ainda o quão extremas e equivocadas podem ser as interpretações e que, como já lembrava Molière, “A perfeita razão foge de qualquer extremismo”

Por Roberto de Mello Severo

Site CONJUR (www.conjur.com.br), em 07 de novembro de 2.008.

Os impactos do artigo 170-A do Código Tributário Nacional

1. Artigo 170-A.

O acréscimo do artigo 170-A no Código Tributário Nacional, decorrente da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2.001, criou várias expectativas frente ao regime de compensação através de decisões judiciais provisórias, usualmente denominadas simplesmente de liminares.

De acordo com o texto do artigo 170-A, “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.

Após a publicação da nova lei e, consequentemente, da inserção da nova proposição normativa que passou a preencher o Código Tributário Nacional, abriu-se no meio jurídico um campo de discussões sobre o real impacto do artigo nos processos com pedido de compensação judicial, donde se encontram opiniões acerca da inconstitucionalidade do dispositivo, ou mesmo da impossibilidade de retroação da lei nova a situações materiais pretéritas, entre outros debates.

Sem embargo da correção ou não das teses que decorreram do novo artigo, tem este ensaio o único objetivo de analisar o artigo 170-A, como proposição normativa de natureza formal, e não material como vem sendo encarado atualmente.

Contudo, antes de iniciar tal análise, há que ser abordada a nomenclatura “liminar”, para que se possa dar seqüência ao raciocínio que ora se pretende.

2. Liminar e tutela antecipada. Artigo 151, inciso V do CTN.

O Código Tributário Nacional, através da mesma Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2.001, sofreu ainda alteração em seu artigo 151, onde junto ao seu inciso V, consta atualmente que suspende a exigibilidade do crédito tributário “a concessão de medida liminar ou* de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial”. O primeiro apontamento que deve ser feito é que o tratamento dispensado ao que seja liminar e ao que seja tutela antecipada, no CTN, é notoriamente inapropriado.

A tutela antecipada é decisão provisória que antecipa os efeitos da decisão de mérito. Por sua vez, liminar é o nome concedido à tutela 2 antecipada, quando deferida in limine inaudita altera parte. Logo, uma tutela antecipada deferida após a angularização do processo, ou seja, depois de citada a parte passiva, não pode ser – tecnicamente – denominada de liminar, mas unicamente de tutela antecipada. A liminar será sempre uma tutela antecipada, não sendo correto afirmar que uma tutela antecipada será sempre uma liminar.

Logo, tem-se que a decisão provisória no feito de mandado de segurança, que faz produzir de imediato os efeitos da sentença futura, não passa de tutela antecipada em feito de mandado de segurança, que poderá ou não ser uma liminar, dependendo do momento de sua concessão. O mesmo ocorre no feito cautelar e no processo de conhecimento de procedimento comum.

Assim, o que ao CTN é algo distinto, quando afirma através de uma exclusão junto ao artigo 151, inciso V, que a exigibilidade do crédito tributário poderá ser suspensa pela “concessão de medida liminar ou1 de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial”, não acresceu em nada à sistemática anterior, vez que tal circunstância já existia antes da edição dessa proposição normativa.

Em verdade, nosso sistema processual sempre possuiu dispositivos que possibilitaram ao jurisdicionado o atendimento de suas necessidades urgenciais, o que ocorreria através do processo, como instrumento do estado para a aplicação do direito objetivo material. Não bastasse a vigência dos atuais artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, no Regulamento 737, já havia a previsão dos denominados processos preparatórios preventivos e incidentes. O próprio Código de Processo Civil de 1.939 previa – além das medidas cautelares – em seu artigo 675, que poderia o juiz determinar providências para resguardar o interesse da parte.

O próprio regimento do mandado de segurança, vigente nos dias atuais, foi e continua sendo meio de obtenção de comandos judiciais provisórios, sendo inclusive amparo nos casos de ausência de recurso específico.

É importante que se frise que a edição do artigo 151, inciso V, do Código Tributário Nacional, feita pela Lei Complementar 104/01, somente tem a pretensão de gerar confusão na sistemática processual, que não é exclusivamente tributária, mas – outrossim – segue regras gerais de observância restrita, antes mesmo de se poder denominar processo tributário.

Não é o inciso V do artigo 151 do CTN que concederá ao jurisdicionado o direito de obstar provisoriamente o crédito tributário, enquanto pendente discussão material, mas a sistemática processual constitucional, atualmente em linhas gerais representada pelo artigo 5º, inciso XXXV da CRFB e pelos artigos 273, 461 e 798, todos do Código de Processo Civil. Poder-se-ia então afirmar que o inciso V do artigo 151 do CTN,  abstraído o flagrante erro de técnica, veio unicamente a ratificar a sistemática já existente, dentro de um raciocínio otimista.

No direito argentino, também há a previsão de tutelas antecipadas, como pode-se verificar junto ao artigo 232 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, de 1.970, que dispõe que “frente a prejuízo iminente ou irreparável, poderá solicitar o autor medidas urgenciais mais aptas a provisoriamente assegurar o cumprimento da sentença”.

3. Direito comparado.

A menção, mesmo em apertada síntese, de sistemas legais comparados, é necessária para que se possa desmistificar a idéia de que possuímos institutos diversos, representados por liminares, tutelas antecipadas, quando não passam de designações para os mesmos provimentos judiciais de urgência e sempre provisórios, rompendo com a idéia formada pelo CTN, que a cada desses institutos cabe tratamento diferenciado, o que é um inexorável erro de técnica.

Se se entende o provimento judicial provisório, como sendo uno, com adequações específicas quanto a cada carga própria de cada pedido imediato e mediato de cada pretensão deduzida em juízo, toda a estrutura de diferenciação entre liminar e tutela antecipada, que tem sido utilizada pelo legislador no âmbito tributário como forma de conferir tratamentos diferenciados para a mesma coisa, v.g. artigo 151, inciso V do CTN, deixa de existir.

Outra situação não é, na sua maioria, a da sistemática estrangeira quanto aos procedimentos de urgência, principalmente na vanguarda processual da linhagem romano-germânica, quanto a conceitos e critérios legais. Na Itália, o Codici de Procedura Civile, em seu artigo 700, que versa sobre o Provvedimenti d’urgenza, designa situação semelhante ao sistema brasileiro, salientando conduto que o regulamento dos comandos provisórios no sistema italiano não está adstrito ao seu Código de Processo Civil Itálico, tendo exemplos em leis infraconstitucionais, bem como no próprio Código, tais como os artigos 186-bis, 186-ter e 423 do CPC italiano.

Nos procedimentos especiais (decreto injuncional), artigos 665 e 708. Em leis especiais, cite-se a Lei nº 300, de 20 de maio de 1.970 e nº 990, de 24 de dezembro de 1.969. Na jurisdição voluntária, artigo 336 do Código Civil, modificado pela Lei nº 151, de 19 de maio de 1.975. Sob a égide da Lei 990/69, ainda, há formas de busca de resguardo de interesse do jurisdicionado através de comando judicial provisório, que pode ser in limine ou não, o que não o descaracteriza como tutela antecipada dos efeitos da decisão de mérito**.

No direito argentino, também há a previsão de tutelas antecipadas, como pode-se verificar junto ao artigo 232 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, de 1.970, que dispõe que “frente a prejuízo iminente ou irreparável, poderá solicitar o autor medidas urgenciais mais aptas a provisoriamente assegurar o cumprimento da sentença”.

Na Costa Rica, encontramos a mesma situação junto ao artigo 242 do Código Procesal Civil, de 1.989, onde fica estabelecido que também em face de dano irreparável ou de difícil reparação, poderá o juiz determinar medidas que proíbam a prática de determinados atos ou os autorizem, conforme a situação, facultando a estipulação de uma caução.

No Peru, o artigo 629 do Código Processual Civil, que data de 1.992, coloca que sem embargo das medidas cautelares específicas, poderá o juiz determinar outras que se façam pertinentes e necessárias, assegurando de forma mais adequada o cumprimento da decisão definitiva. Vê-se que há uma referência em todos quanto à decisão definitiva, que abrange o mérito obtido sob cognição específica***.

Não é diferente o que pode se encontrar no Código Processual Civil português, de 1.961, em seu artigo 399, o que também ocorre no Código Processual Civil do Uruguai, de 1.988, em seu artigo 317.1, e no Código de Processo Civil da Venezuela, de 1.986, em seu artigo 588, § 1º ****.

A ZPO alemã (Zivilprozessordnung – Ordenança Processual Civil)57, prevê a existência de provimento antecipatório, o Einstweilige Verfügung (§§ 935 e 940), que determina que pode o juiz adotar medidas provisórias de segurança, relativas à coisa litigiosa, quando for de temer que modificações do estado atual possam frustrar ou tornar notavelmente difícil a satisfação do direito da parte (§ 935). Também, permite-se a adoção de medidas cautelares para regular um estado provisional, respeitante a uma relação jurídica controvertida, se tal regulamento se considerar necessário para evitar prejuízos de monta ou atos de força que a ameacem, ou por outros motivos, especialmente quando se tratar de relações jurídicas permanentes (§ 940)*****.

O direito americano, filiado à corrente anglo-americana – mas com fortes traços da linha romano germânica, v.g. civil law – que adota as regras da common law, também possui variados provimentos que se assemelham ao nosso regime de tutela antecipada em processo de conhecimento com rito especial ou comum, ou mesmo na nossa sistemática cautelar ****** . Tais provimentos antecipatórios são denominados de injunction, representando a nossa tutela antecipada, podendo esta decisão ser proferida inaudita altera parte, e portanto, na forma de liminar.

O direito francês, por sua vez, dispõe do référé provision, que se assemelha aos demais provimentos de adiantamento da função jurisdicional, quanto a seus efeitos. Este instituto foi introduzido no direito francês pelo Decreto 1.122, de 17 de dezembro de 1.973, hoje disciplinado pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 809, que dispõe que “no caso de a existência da obrigação não ser seriamente contestável, pode ser concedida ao credor uma provisão, ou determinada a execução de uma obrigação, mesmo que se trate de obrigação de fazer” ******* .

Não se trata o instituto da tutela antecipada, seja ela liminar ou não, de uma descoberta do sistema processual brasileiro, mas uma adequação de sistemáticas do direito comparado, bem como das nossas diretivas processuais anteriores frente à realidade jurídica cotidiana, haja vista que o impasse “ônus tempo” do processo, sabidamente, é compartilhado por inúmeros países compreendidos nas assertivas da linha romano-germânica.

4. Equívoco legislativo.

Retornando ao comando do artigo 170-A do CTN, quando este dispositivo faz crer que fica impedida a compensação de tributo antes de transitada em julgado a decisão de mérito que concede a mesma compensação, não obstante as opiniões contrárias, novamente em nada acresceu a Lei Complementar 104/01.

Provavelmente, a pretensão do legislador fora a de impedir a concretização de compensações judiciais em decorrência de decisões “liminares”. Se realmente fora este o propósito, sua meta não foi atingida.

As decisões provisórias, pela sua própria semântica, não podem materializar atos em caráter definitivo. O critério de antecipação dos efeitos da sentença, restritivamente nos processos cujos pedidos são de compensação de créditos com o fisco, é que o comando provisório que eventualmente seja deferido não será de compensação, mas de suspensão de crédito contraposto (no caso o do fisco), até que se aprecie o mérito do feito. Não há como se deferir comando judicial provisório que possa exaurir a atividade jurisdicional, com natureza satisfativa, sem que seja da mesma forma exaurida a fase de cognição inerente ao processo, seja ela ampla ou parcial.

O que ocorre nos processos com pedido de compensação é que os efeitos da tutela final, que eventualmente possam ser antecipados através de um comando provisório, a chamada “liminar”, confunde-se com o próprio pedido final, de forma que, a exemplo da tutela antecipada na maioria dos feitos com natureza declaratória ou constitutiva, os efeitos confundem-se com o mérito, dando uma falsa conclusão de que a natureza jurídica do comando judicial provisório foi satisfativo, o que tecnicamente é um erro.

Uma vez deferido o comando judicial provisório dentro do processo com pedido de compensação de créditos entre o fisco e o contribuinte, a carga decisória provisória tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito da fazenda pública para com o autor do pedido, na mesma proporção do crédito do contribuinte, até o trânsito em julgado da decisão de mérito cujos efeitos já estão em vigor.

Fica assim a fazenda pública impedida de proceder qualquer imposição de sanção ao contribuinte que tenha obtido referido comando judicial provisório, vez que sua pretensão de crédito resta momentaneamente obstacularizada pela decisão judicial proferida. Não há que se falar em compensação definitiva.

Ademais, as hipóteses de extinção do crédito tributário, previstas no artigo 156 do CTN ******** , não se coadunam, nem poderiam, com a concessão de provimento judicial provisório, lembrando ainda que o inciso X do mesmo artigo já prevê, de uma forma lógica, que a extinção do crédito tributário somente pode decorrer do trânsito em julgado de uma decisão.

A postura do legislador, em incluir o artigo 170-A, porquanto falha, externa sua preocupação em inviabilizar as vias da concretização do princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional do estado, residindo aí a sua invalidade, caso tivesse o legislador conseguido expressar e materializar seu verdadeiro intuito, que ora resta prejudicado pelo equívoco legislativo cometido.

5. Sobre o mandado de segurança – sentença.

Outra conclusão não se pode ter em se tratando dos efeitos da sentença proferida em sede de mandado de segurança. A situação hipotética de se deparar com um processo de mandado de segurança cujo pedido é de compensação entre contribuinte e fisco, em que não houve concessão de comando in limine que antecipe os efeitos da decisão de mérito, mas que em sede de sentença, venha a conceder a ordem de segurança, não obstante não seja um comando provisório, deve seguir a mesma orientação da aplicação acima.

Isto em decorrência do fato de que a ausência de efeito suspensivo em eventual recurso da fazenda pública, ou mesmo na remessa de ofício, faz com que situação semelhante àquela que se obtém com a concessão de tutela antecipada, liminarmente ou não, seja produzida: os efeitos da decisão de mérito são projetados.

Perceba-se que o que faz com que o fisco se abstenha de impor sanção ao contribuinte que pretende a declaração de uma compensação judicial, é a suspensão do crédito tributário proporcional, em razão dos efeitos da decisão de mérito, quer em decorrência da tutela antecipada, quer em decorrência da prolação de sentença em feito de mandado de segurança, cujo recurso ou remessa de ofício não tem o condão de suspendê-los.

Não se pode, pois, inviabilizar a suspensão do crédito da fazenda pública por força de sentença em mandado de segurança, a qual ainda não transitou em julgado, alegando vigência do artigo 170-A do CTN.

6. Natureza jurídica do artigo 170-A.

A análise do artigo 170-A do CTN, para que possa ser correta, deve partir da premissa de que se trata de proposição normativa de natureza formal e não material, o que é plenamente aceitável dentro do contexto de sua inserção do mesmo diploma legal.

Em conseqüência, com o devido respeito, partindo dessa óptica, toda a discussão acerca da produção de efeitos pretéritos da proposição normativa, retroagindo a situações de direito material ocorridas antes da edição da norma, ou mesmo abordando-se a constitucionalidade ou não do artigo 170-A do CTN, é partir da falsa premissa de que o legislador atingiu seu objetivo, quando é notório que, pela óptica da natureza jurídica formal da proposição normativa, em nada acresceu o legislador ao que anteriormente vigia em nosso sistema processual tributário.

E aí, sem aplicabilidade, ao menos em tese, resta a súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça********* , haja vista que pela visão correta do procedimento a ser adotado frente à também correta técnica processual, não se há de falar em compensação obtida por comando judicial provisório, mas unicamente em suspensão do crédito contraposto da fazenda pública, na mesma proporção, situação esta a ser mantida em caráter também provisório até trânsito em julgado da decisão de mérito, restando o fisco engessado quanto a tal crédito e quanto às sanções decorrentes do não recolhimento do mesmo.

Quanto ao legislador, se realmente pretendeu inviabilizar a concessão de tutela antecipada, seja liminarmente ou não, em feitos de conhecimento com procedimento comum, cautelar ou mesmo em procedimento especial de mandado de segurança, seu equívoco operou contra o mesmo, não podendo se extrair comandos normativos de uma proposição normativa que não tem poderes para exprimi-los, sendo que qualquer norma jurídica que decorra da interpretação incorreta do artigo 170-A, indefectivelmente, deverá estar fadada a ser repelida pelo órgão jurisdicional, caso este aprecie a situação com técnica escorreita e não de forma juridicamente claudicante ou política como fez o legislador.

7. Critério retroatividade.

Outro ponto que se tornou foco de debates em torno do artigo 170-A do CTN, em se considerando que esta proposição normativa teria o condão de suspender a concessão de decisões “liminares” em processos judiciais com pedidos de compensação de crédito entre contribuinte e fazenda pública, deve ser feita abordagem sobre o tema, não obstante singela.

Aquele que partir da premissa de que é válido o entendimento acima, deverá – necessariamente – partir da premissa de que o artigo 170-A do CTN é proposição normativa de direito material ou substancial, relativo a conflito de interesse de pessoas, podendo então defender a tese de que, caso também entenda que o direito de compensação do contribuinte é direito material subjetivo e ou potestativo (assegurado constitucionalmente ou não) não poderá tal dispositivo afetar os créditos dos contribuintes materializados anteriormente à vigência do atual dispositivo do CTN.

Sem embargo, por sua vez, caso se parta da premissa de que a natureza jurídica do artigo 170-A do CTN é nitidamente formal, vinculada ao procedimento ou instrumento, aquela conclusão da não retroação do artigo retro frente aos créditos anteriores à sua vigência – também necessariamente – deverá ser afastada.

O presente ensaio parte da premissa de que o artigo 170-A do CTN é proposição normativa de direito formal, até porque o mesmo não analisa em parte alguma o direito de crédito do contribuinte, mas o procedimento inerente ao processo judicial que envolva pedido mediato de compensação recíproca de créditos, ou seja, o instrumento para a consecução do direito objetivo material, não o próprio direito objetivo material.

Logo, em sendo proposição normativa de natureza jurídica formal, não resvalando no direito material subjetivo de crédito, sua aplicação é 9 imediata, sendo despicienda a discussão sobre a retroatividade ou não do artigo 170-A do CTN, vez que diretivas processuais, após editadas, têm aplicação imediata por força do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil**********, lembrando que não há direito adquirido frente a disposições processuais novas, excetuando-se os atos praticados sob a vigência da lei anterior.

A óptica dos que defendem uma suposta impossibilidade de retroação do artigo 170-A do CTN, no presente caso, quer fazer crer que as situações de direito material consolidadas antes da sua vigência serão modificadas, quando em verdade, o que modifica é o procedimento para a obtenção da aplicação do direito objetivo material. O direito de prestação da fazenda pública perante o contribuinte, por força da obrigação creditória permanece intacto.

Ressalte-se que, em se partindo da premissa de que o artigo 170-A do CTN, é proposição normativa formal, toda essa discussão é insólita, pois em nada foi alterado o procedimento de concessão de tutela antecipada, liminarmente ou não, visando a suspensão do crédito tributário enquanto não analisado em caráter definitivo o pedido de compensação judicial de créditos contrapostos, vez que a compensação definitiva através de comando judicial provisório, a exemplo de outras situações, é descabida por um critério lógicosistemático.

É clara a importância da diferenciação da natureza jurídica do artigo 170-A do CTN, sendo essa diferenciação a integral responsável pela correção das conseqüências derivadas de sua aplicação e das interpretações que, com o devido respeito, não se traduzem como sendo o melhor juízo.

8. Conclusão.

A grande falha atual, na análise do artigo 170-A do CTN, está em não grifar a natureza jurídica formal desta proposição normativa. Frisada essa sua característica, toda a construção jurídica buscada pela fazenda pública e pelo legislador, de impedir decisões judiciais provisórias que suspendam o crédito do fisco enquanto não encerrado processo que tem como tensão processual a declaração de crédito do contribuinte e sua compensação com o crédito tributário proporcional, cai por terra.

Ato contínuo, é importante que se atente para a contumácia do legislativo, em dar albergue à pretensão da fazenda pública de inviabilizar a recuperação de crédito recolhido a maior pelo contribuinte, o que resvala no critério “segurança jurídica” do mesmo, necessariamente atrelado à celeridade que deve o processo fornecer ao jurisdicionado, de forma a distribuir o ônus “tempo” do processo com o poder público, na esteira da máxima de Francis Bacon, de que “se a injustiça da sentença a faz amarga, sua demora torna-a azeda”. (‘Injustitia enim illud reddit amarum mora acidum’) ***********

Por Roberto de Mello Severo

__________________________

*A inclusão no texto legal da conjunção alternativa “ou”, traduz o objetivo do legislador em diferenciar institutos que se completa, sendo em conseguinte equívoco técnico processual. Grifos nossos.
** Alvim, J. E. Carreira. Tutela Antecipada na Reforma Processual (Antecipação de Tutela na Reparação do Dano), Editora Destaque. 1.996, p. 66..
*** Fux, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência. – São Paulo : Saraiva, 1996, p. 174, 175 e 177
**** Nery Junior, Nelson.. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante em vigor/Nelson Nery Junior. – 2. ed. rev. ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 690.
***** Fux, Luiz. Op. cit. p. 177.
****** Arruda Alvim, Reforma do Código de Processo Civil/coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 86.
******* E. D. Moniz de Aragão, em referência ao artigo 809 do Código de Processo Civil francês, traduzido de Roger Perrot, Les mesures provisoires en procédure civile, Milão, Giuffré, 1.985, p. 255-6. Reforma do Código de Processo Civil/coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 235.
******** Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – a remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus § § 1º e 4º;
VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X – a decisão judicial passada em julgado;
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (AC) (Inciso acrescentado pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU 11.01.2001)
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.
********* Súmula 212 – A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar
********** Teoria Geral do Processo. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco. 9ª edição, 1ª tiragem: 08.1992; 2ª tiragem: 01.1993, p. 97.
*********** Comentários feitos por E. G. Moniz de Aragão à Francis Bacon, que escreveu no século XVI esta frase em referência à morosidade da justiça, que sempre acompanhou a evolução do homem, Op. cit., p. 234.

Condenação antecipada (“J’accuse!”)

Tive notícia, recentemente, da criação do Instituto de Defesa do Direito à Defesa, o qual teria sido criado para auxiliar pessoas que estivessem sendo foco de acusações pela imprensa, pela população, pelo Ministério Público, CPIs, etc. Esta entidade (IDDD) prestaria então auxílio gratuito, inclusive com advogados próprios.

O surgimento deste instituto deve-se à divulgação de acusações das mais diversas, que são realizadas sob o julgo popular e com ampla divulgação da imprensa, sob diversos mantos, dentre eles a necessidade de se dar conhecimento público a fatos que se encontram sob investigação ou que possam ensejá-la. Com a bandeira do combate à impunidade, acabam por ser violados direitos pessoais assegurados constitucionalmente, de tal forma que nada que seja feito posteriormente poderá restituir ao prejudicado o que lhe foi retirado: seu nome.

Inevitável convergirmos as idéias acima e perquirir sobre a postura mais correta frente a uma investigação: – preservar ou divulgar?

Todo ato delituoso, antes mesmo de poder configurar crime, esbarra no campo da moral e da ética, que para Sócrates, talvez um dos maiores estudiosos deste valor, representa um critério de total racionalidade científica, com exclusão de sentimento. Assim, para se analisar moral deve-se, primeiramente, despir-se de aspectos emotivos, trabalhando unicamente com a razão.

A moral, como ícone de racionalidade, esbarra em sentimentos outros que, na qualidade de humanos, dificilmente conseguimos omitir. Temse então a moral frente ao humanismo, que na visão de Sartre, é uma forma de existencialismo. O que se busca é concluir sobre qual a resposta ao presente caso, e é o mesmo Sartre que ressalta que “poucas decisões não têm nenhuma conseqüência negativa”, sendo óbvio que qualquer das respostas apresentadas, com toda certeza, acarretará aspectos negativos.

Para os existencialistas, a pessoa que possui experiência individual com um fato e elementos que possam formar sua convicção sobre uma situação que envolva moral, tem sempre uma compreensão maior sobre o mesmo fato, do que o observador imparcial. O observador imparcial não tem elementos científicos para analisar um problema específico, dispondo unicamente de sentimentos que são inflados, no exato momento em que tem conhecimento de um fato, passando então, apesar de desconhecer a fundo os elementos do problema, a defender uma moral baseada em emoção, o que é contraditório em essência.

Adam Smith, representante do chamado iluminismo escocês, também analisou o problema de o homem formar juízos morais, baseando-se na sua “avassaladora paixão por autopreservação e interesse próprio”, o que lhe tiraria a racionalidade que a situação impõe.

Resta, pois, uma maioria (observadores imparciais) que não tem conhecimento científico do problema em debate, inflada por aspectos emocionais, criando a tirania da maioria, o que Jonh Stuart Mill, lembrado pelo professor londrino de filosofia do direito Stephen Guest, em seu discurso “Por que a Lei é Justa”, diz ser a pior das tiranias, pois vem sob o manto da democracia, ficando a cargo do Poder Judiciário corrigir as inclinações da maioria, defendendo o Princípio da Igualdade.

A maioria democrática nem sempre representa o pólo correto para julgar problemas. Sob o manto da maioria e da democracia, os revolucionários franceses avançaram socialmente, mas também sujaram de sangue sua nova liberdade, como no massacre de Vendée, onde foram assassinados padres e camponeses que ousaram discordar deles. Contudo, houve, na Europa do século XIX, agitações revolucionárias menos dramáticas que produziram efeitos benéficos permanentes.

Inegável, contudo, é que os aspectos emocionais que envolvem problemas, que por sua vez se refletem no círculo moral, continuam a nos incomodar, apesar da incompatibilidade entre análise de moral e emoção. Não pode a emoção ser fundamento sólido para justificar a divulgação de fatos ainda não provados. A condenação social, sob a bandeira da moral, não pode ser institucionalizada, sob pena de negarmos o estado de direito que deve prevalecer sobre todo e qualquer procedimento, seja ele judicial ou extrajudicial, primando ainda pela garantia da ampla defesa e contraditório, nunca exercidos efetivamente quando a divulgação dos fatos é feita indiscriminadamente.

Assim, condena-se socialmente, ainda que, judicialmente, se possa contraditar as acusações a que se foi exposto, ressaltando-se que a condenação pública não permite volta.

É o próprio humanismo citado que dita comportamentos que deveríamos repudiar, pois apontar erros nos faz sentir menos humanos, e dessa forma, superiores a toda e qualquer análise moral.

Entre as propostas de conduta (preservar ou divulgar) e os aspectos negativos que ambas acarretam, é inarredável que divulgar sem antes possibilitar a prova em contrário, causando todos os danos que, como se sabe, são irreparáveis, não pode se sobrepor à racionalidade que envolve a moral, de permitir primeiramente a defesa ampla, a qual não ocorre nos meios de imprensa, de forma efetiva, mas unicamente no processo instaurado.

Divulgar fatos de investigação com a pecha de condenação pública nos remete ao sistema judiciário muçulmano, que calcado em uma idéia religiosa, cria uma espécie de presunção de verdade inquestionável contra aquele que é acusado e a favor de quem acusa, contra a qual não se admite prova em contrário.

A análise dos fatos e das provas que são apontadas como justificadoras dos fatos deve ser acurada. A prova está intimamente ligada à sua fonte, a qual nem sempre é idônea. Legitimar todo o tipo de prova e 3 possibilitar condenações que servem unicamente para satisfazer a população – sejam estas condenações certas ou não – é postura incondizente com a moral que se visa preservar.

A exemplo, cite-se o caso Dreyfus, onde a pretexto de dar ao povo francês uma satisfação, o governo deu a chancela – sob o julgo social – para condenar um inocente (Dreyfus). Lembrar Dreyfus e não lembrar o escritor Émile Zola, seu defensor perante a sociedade, seria incoerente. E as palavras de Zola, no seu manifesto “J’accuse”, são perfeitamente adequadas para a ocasião: “Que ousem, pois, levar-me diante do Tribunal, e que o inquérito transcorra em plena luz do dia”.

 

Por Roberto de Mello Severo

Gazeta Mercantil, Folha de Londrina e publicado nos anais do Congresso Nacional – 04 e 05 de maio de 2000.