Tive notícia, recentemente, da criação do Instituto de Defesa do Direito à Defesa, o qual teria sido criado para auxiliar pessoas que estivessem sendo foco de acusações pela imprensa, pela população, pelo Ministério Público, CPIs, etc. Esta entidade (IDDD) prestaria então auxílio gratuito, inclusive com advogados próprios.
O surgimento deste instituto deve-se à divulgação de acusações das mais diversas, que são realizadas sob o julgo popular e com ampla divulgação da imprensa, sob diversos mantos, dentre eles a necessidade de se dar conhecimento público a fatos que se encontram sob investigação ou que possam ensejá-la. Com a bandeira do combate à impunidade, acabam por ser violados direitos pessoais assegurados constitucionalmente, de tal forma que nada que seja feito posteriormente poderá restituir ao prejudicado o que lhe foi retirado: seu nome.
Inevitável convergirmos as idéias acima e perquirir sobre a postura mais correta frente a uma investigação: – preservar ou divulgar?
Todo ato delituoso, antes mesmo de poder configurar crime, esbarra no campo da moral e da ética, que para Sócrates, talvez um dos maiores estudiosos deste valor, representa um critério de total racionalidade científica, com exclusão de sentimento. Assim, para se analisar moral deve-se, primeiramente, despir-se de aspectos emotivos, trabalhando unicamente com a razão.
A moral, como ícone de racionalidade, esbarra em sentimentos outros que, na qualidade de humanos, dificilmente conseguimos omitir. Temse então a moral frente ao humanismo, que na visão de Sartre, é uma forma de existencialismo. O que se busca é concluir sobre qual a resposta ao presente caso, e é o mesmo Sartre que ressalta que “poucas decisões não têm nenhuma conseqüência negativa”, sendo óbvio que qualquer das respostas apresentadas, com toda certeza, acarretará aspectos negativos.
Para os existencialistas, a pessoa que possui experiência individual com um fato e elementos que possam formar sua convicção sobre uma situação que envolva moral, tem sempre uma compreensão maior sobre o mesmo fato, do que o observador imparcial. O observador imparcial não tem elementos científicos para analisar um problema específico, dispondo unicamente de sentimentos que são inflados, no exato momento em que tem conhecimento de um fato, passando então, apesar de desconhecer a fundo os elementos do problema, a defender uma moral baseada em emoção, o que é contraditório em essência.
Adam Smith, representante do chamado iluminismo escocês, também analisou o problema de o homem formar juízos morais, baseando-se na sua “avassaladora paixão por autopreservação e interesse próprio”, o que lhe tiraria a racionalidade que a situação impõe.
Resta, pois, uma maioria (observadores imparciais) que não tem conhecimento científico do problema em debate, inflada por aspectos emocionais, criando a tirania da maioria, o que Jonh Stuart Mill, lembrado pelo professor londrino de filosofia do direito Stephen Guest, em seu discurso “Por que a Lei é Justa”, diz ser a pior das tiranias, pois vem sob o manto da democracia, ficando a cargo do Poder Judiciário corrigir as inclinações da maioria, defendendo o Princípio da Igualdade.
A maioria democrática nem sempre representa o pólo correto para julgar problemas. Sob o manto da maioria e da democracia, os revolucionários franceses avançaram socialmente, mas também sujaram de sangue sua nova liberdade, como no massacre de Vendée, onde foram assassinados padres e camponeses que ousaram discordar deles. Contudo, houve, na Europa do século XIX, agitações revolucionárias menos dramáticas que produziram efeitos benéficos permanentes.
Inegável, contudo, é que os aspectos emocionais que envolvem problemas, que por sua vez se refletem no círculo moral, continuam a nos incomodar, apesar da incompatibilidade entre análise de moral e emoção. Não pode a emoção ser fundamento sólido para justificar a divulgação de fatos ainda não provados. A condenação social, sob a bandeira da moral, não pode ser institucionalizada, sob pena de negarmos o estado de direito que deve prevalecer sobre todo e qualquer procedimento, seja ele judicial ou extrajudicial, primando ainda pela garantia da ampla defesa e contraditório, nunca exercidos efetivamente quando a divulgação dos fatos é feita indiscriminadamente.
Assim, condena-se socialmente, ainda que, judicialmente, se possa contraditar as acusações a que se foi exposto, ressaltando-se que a condenação pública não permite volta.
É o próprio humanismo citado que dita comportamentos que deveríamos repudiar, pois apontar erros nos faz sentir menos humanos, e dessa forma, superiores a toda e qualquer análise moral.
Entre as propostas de conduta (preservar ou divulgar) e os aspectos negativos que ambas acarretam, é inarredável que divulgar sem antes possibilitar a prova em contrário, causando todos os danos que, como se sabe, são irreparáveis, não pode se sobrepor à racionalidade que envolve a moral, de permitir primeiramente a defesa ampla, a qual não ocorre nos meios de imprensa, de forma efetiva, mas unicamente no processo instaurado.
Divulgar fatos de investigação com a pecha de condenação pública nos remete ao sistema judiciário muçulmano, que calcado em uma idéia religiosa, cria uma espécie de presunção de verdade inquestionável contra aquele que é acusado e a favor de quem acusa, contra a qual não se admite prova em contrário.
A análise dos fatos e das provas que são apontadas como justificadoras dos fatos deve ser acurada. A prova está intimamente ligada à sua fonte, a qual nem sempre é idônea. Legitimar todo o tipo de prova e 3 possibilitar condenações que servem unicamente para satisfazer a população – sejam estas condenações certas ou não – é postura incondizente com a moral que se visa preservar.
A exemplo, cite-se o caso Dreyfus, onde a pretexto de dar ao povo francês uma satisfação, o governo deu a chancela – sob o julgo social – para condenar um inocente (Dreyfus). Lembrar Dreyfus e não lembrar o escritor Émile Zola, seu defensor perante a sociedade, seria incoerente. E as palavras de Zola, no seu manifesto “J’accuse”, são perfeitamente adequadas para a ocasião: “Que ousem, pois, levar-me diante do Tribunal, e que o inquérito transcorra em plena luz do dia”.
Por Roberto de Mello Severo
Gazeta Mercantil, Folha de Londrina e publicado nos anais do Congresso Nacional – 04 e 05 de maio de 2000.