Nada há de novo sob o sol

Depois de mais de três mil anos, a frase de Salomão, repetida no Eclesiastes, nunca pareceu tão atual. O cenário pós- ataque de Paris deu a oportunidade que parte dos países ocidentais precisava, para estancar a política de recepção de refugiados vindos principalmente do norte da África.

E, se não fosse o suficiente, abriu espaço para a intolerância religiosa, mais propriamente com muçulmanos, dando viés de guerra religiosa. Mas isso não é novidade.

Quando o Papa Urbano II, em 1.205, convocou a todos para o que se tornaria a 1ª Cruzada, deu contornos religiosos para seu real intuito, que era apenas ajudar o imperador Alexios I no império Bizantino. E os cristãos caíram no conto, e o que fizeram por cerca de 200 anos é de deixar o Estado Islâmico frustrado. E fizeram supostamente por ideologia religiosa.

O que o francês Gilles de Rais cometeu nas Cruzadas faz de Jihad John um personagem caricato. Mas a questão é: – qual a semelhança entre o antigo e o atual?

E a resposta é a completa ignorância dos que atacam, e dos que são atacados. Se levássemos a ferro e fogo os textos bíblicos, ainda estaríamos matando pessoas de outra religião (Deuteronômio 20:13) e vendendo filhas como escravas (Êxodo 21:7).

Passamos por textos que nem mesmo sabemos se foram escritos daquela forma, já que os monges, pelo palimpsesto, tudo apagavam para reescrever da forma como queriam. Tivemos tradutores da Bíblia que traduziam aramaico sem nem mesmo entender aramaico. E no islamismo não é diferente.

Das possíveis transliterações, talvez as virgens do paraíso sejam apenas uvas passas brancas (o texto correto é o hebraico hur, e não houris).

Mas não há, nunca houve, nem nunca haverá uma guerra religiosa. Guerras existem por disputa econômica e de poder. E criminosos são criminosos, independentemente da farda, da bandeira ou da camisa do time que usam.

Os inimigos não possuem nacionalidade. Os ataques na França foram feitos por franceses, criminosos franceses. A diáspora que vemos hoje é de muçulmanos fugindo de um grupo criminoso, que finge ser a religião o mote do combate, como fizemos nas Cruzadas. E tão somente isso. Ocorre que toleramos os absurdos que ocorrem lá, desde que não nos sujem aqui.

Já são mais de 240 mil mortos na Síria. Países como o Mali estão assolados pelo Estado Islâmico. Mas números assim são a estatística de que Stalin se gabava.

Nos anos 70 e 80, milhares de pessoas vindas do Vietnã, Camboja e Laos buscaram refúgio no Ocidente, principalmente em razão da Guerra do Vietnã. Enquanto a Europa recebia de certa forma essas pessoas, o então presidente dos EUA, Harry Truman sofria para ver desfeitas as barreiras que o Congresso impunha à recepção desses refugiados.

E o fantasma da invasão de pessoas de culturas diferentes, que tanto justificavam as barreiras, nunca se concretizou. Pelo contrário. Também tivemos uma enorme crise de refugiados pós Segunda Guerra. E a solução foi adequar as legislações de fronteira.

Já são mais de quatro milhões de refugiados da Síria. Essa diáspora supera a da Indochina, a da Segunda Guerra. Supera as diásporas gregas, a hebraica. Supera absolutamente tudo isso.

Não existem religiões violentas. Existem pessoas violentas. E não se pode permitir que um evento capitaneado por facínoras confundam as pessoas e leve ao desalento de tantos e a um preconceito religioso – de novo. As maiores vítimas do Estado Islâmico, curiosamente, são os muçulmanos.

Por séculos, milhares de cristãos morreram nas mãos de outros cristãos, sob falsos pretextos religiosos, o que não torna a religião a culpada. Como lembra Aristóteles, “um povo que não aprende com a história está fadado a repeti-la”.

Por Roberto de Mello Severo

Folha de Londrina – 09 de dezembro de 2.015.

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